quinta-feira, 14 de abril de 2016

É de sonho e de pó

"É de sonho e de pó, o destino de um só..."

Chegado no local como de costume logo percebi o canteiro da frente limpo. O mato arrancado permanecia ao lado. Quem o fez com certeza retornaria para solicitar alguns trocados como pagamento pelo serviço prestado. 

Passaram-se pouco mais de uma hora e o interfone tocou. A voz de um homem apresentando-se como o autor da benfeitoria, de forma humilde um "café" pedia. Enfaticamente despachei-o de imediato. Ele se foi e eu permaneci conscientemente inquieto. Estava errado. Não poderia ter encerrado a conversa daquele jeito sem ao menos olhar seus olhos. Algo maior motivou-me a ir ao seu encontro. Estava a mais de uma quadra de distância. Tive de correr.

Chegando, perguntei-lhe se foi ele quem tinha feito o serviço. Apresentei-me e quis saber seu nome. Olhar manso. Semblante cansado. Mãos sujas e calejadas. Uma faquinha no bolso traseiro de sua calça era a única ferramenta que dispunha. Nenhum vestígio de álcool. E, mesmo se houvesse, não importava mais. Eu devia-lhe algo muito maior do que a retribuição material. Devia-lhe uma merecida atenção, um olhar humano que honrasse a sua pessoa. Respeito que quase faltei-lhe com minha prévia omissão.

No caminhar de uma quadra até o início de tudo apenas seu olhar de esperança e gratidão e da minha parte o sentimento de ter sido tocado no coração...Ele prontamente se pôs a limpar a calçada e o restante do canteiro. Pediu-me um saco de lixo para juntar a sujeira. Levei-lhe antes um copo com café. 

O olhar é algo que dispensa palavras. O dele é inigualável e tive a sensação que foi recíproco. Fomos tocados. Assim que ele terminou o serviço me chamou. Entreguei-lhe um valor que, tenho certeza, ele mesmo não esperava. 

Agradecido ele partia satisfeito quando ainda ofereci-lhe uma marmita de comida. Novamente seu olhar transmitiu serenidade e bondade em agradecimento. Arrumei e entreguei-lhe. O fato pode ter se encerrado no tempo de algumas horas desta manhã mas a memória não. Ele voltará... Obrigado, senhor Eduardo!