sexta-feira, 24 de junho de 2016

Convenção nos autos da praça II


Ela rasga de cima a baixo o véu azul, que se descortina sob os raios do sol, em movimentos transloucados, desgovernados e desinibidos. Em rasantes manobras audaciosas, com suas cores que a muito representa, de porte pequeno e velocidade não controlada, ela caça e corre, adormece e enlouquece no ar. É a pipa na mão do garoto que leva seus sonhos no mais alto dos céus no imperativo silêncio que não se corrompe frente aos devaneios sociais que o circundam na praça.

As tribos se encontram como de costume. Hoje porém não tem futsal descalço. A turma que se encontra no espaço fitness está maior e com isso as conversas são mais gritantes bem como as músicas e os subgrupos. Caras e bocas para as selfies que eternizam os instantes.

Hoje tem mais gente dormindo sobre os bancos de pedra. Gente uniformizada que aproveita o tempo do almoço para um cochilo. Os caras da maconha não se intimidam com os pedestres que cruzam a zona franca da praça e continuam em seu ritual enfadonho de tragar, tossir e expelir. Há outros mais tímidos que, acompanhados de um pitbul com focinheira e seguramente amarrado, espero, disfarçam o momento ímpar de fugir daqui em tragadas no baseado.

Uma mãe leva seus três filhos para casa. Ela consegue segurar na mão de dois e o terceiro, o maior, segue ora do lado ora atrás. Há um silêncio que perdura nessa caminhada. Ela aparenta cansaço e ao mesmo tempo atenção para com suas crias. Instinto de mãe.

A tribo dos exímios filósofos do álcool é fiel em seu templo, um espaço já marcado por sobre a grama. Ali ninguém, que não seja desvairado e descomprometido com a vida, pode se achegar. É um recanto para poucos. Eles são telespectadores diante da correria mundana e prostituída que nós protagonizamos. O líquido que desentorpece corpo e alma nunca falta. Preferem o ópio do álcool ao ópio da hipocrisia social. Lá esses são livres.

A solidão também impera em alguns bancos de monólogos pensadores. Pessoas com fone e celular que fogem do tempo, das obrigações e dos problemas ao som das batidas musicais. A música está em todo canto. É necessária. Cada qual com seu estilo e gosto. Ela transcende dimensões, revigora, proporciona reflexão e esperança. É sagrada, principalmente, quando a solidão é a única companheira durante a travessia no deserto.

A praça é uma zona de paz e guerra. Pessoas em paz com as outras e pessoas em guerra consigo mesmo. A vida é paz. Ou guerra, talvez. A violência social ocorre primeiramente no olhar, depois no coração e depois com as mãos. O cenário pode ser visto sob as duas ópticas. Depende qual lado você está vivenciando quando adentrar este cenário...