domingo, 22 de maio de 2016

Cartas em Tempos (VII) - Da guerra


"Caros soldados de outras guerras...
Receio não viver o suficiente para concluir esta carta.
Meus inimigos avançaram mais que o esperado.
Estão muito perto e o mínimo de respiro é essencial para não ser notado.
Aqui na trincheira, nesta manhã, o clima está sombrio e carregado com um ar encortinado de fumaça escura.
Não conheço o sertão, nem a mata, talvez o subúrbio.
A rua, entre a praça e o cemitério me é familiar.
Tantas histórias de guerra que me fico a pensar que não há lugar neste mundo que viva em paz.
Nem mesmo as religiões foram capazes de sustentá-la.
Aliás, é mais provável que ela também é um canal de disseminação.
Aonde o homem chega, tudo se esvai...
É vero que os bons morrem cedo.
Talvez fosse interessante ser condecorado assim.
Mas hoje, já quero viver um pouco mais.
Espero sair daqui com minhas próprias pernas.
Creio que é o medo da morte que perambula mais perto neste momento.
Minhas munições me dão suporte até o fim deste dia.
Se economizar, adentro a noite e consigo voltar para a base.
Espero que os adversários não tenham tanta pressa em avançar mais por hoje.
Um gole de cachaça faz falta em dias de frio por aqui.
Percebo que somos todos entrincheirados pelas porventuras da vida.
Fizemos nossas escolhas.
Tivemos nossas decepções.
Vivemos nossas mazelas.
Perdemos e reencontramos a esperança por diversas vezes.
Questionamos a Deus o tempo todo.
E confesso, tem dias que me inspiro apenas em alguma formiga que caminha solitária ao meu lado.
Ela pode ser a última forma de vida que meus olhos vislumbram naquele momento...
E me pergunto o porquê das coisas serem assim.
Deus, deve ser um menino levado e de coração bom.
Só pode ser assim.
Ele testa as pessoas dando a liberdade para o erro.
Quem se redimir, consertar-se, este terá um cantinho merecido junto dele.
Ou não!
Sei lá...
Hora de voltar pra base."