sexta-feira, 1 de julho de 2016

Relatos da infância: dia de chuva



O dia está frio. Chuvoso. O toque final do sino avisa que é hora de ir embora. Material recolhido na mochila. Sigo rumo à saída principal. É preciso passar pelo pátio coberto para não se molhar. A chuva está forte. Coloco o capuz da jaqueta de nailon sobre a cabeça.

No último espaço coberto antes do portão aguardo amedrontado alguém me buscar. Deveria ser meu pai a me esperar. Todos os alunos se foram. Meu pai não estava. Minha única companhia era o medo incomensurável de ficar trancado ali.

Devagar sob a chuva fui me dirigindo até o portão. Olhei para todos os lados e nada via. Atravessei a rua. Nesse momento a chuva já lavava meu rosto das lágrimas. O resto do corpo se esfriava com as roupas encharcadas. Parei debaixo de uma árvore sem hesitar sobre os riscos de se abrigar ali naquela chuva. O medo de permanecer trancado na escola era maior do que o de raios num dia de temporal.

Um carro desconhecido para e um senhor vai até mim. Oferece-me ajuda para me levar em casa. Eu nem sabia onde morava ao certo. Aceitei o convite e entrei em seu carro. As lágrimas já haviam cessado. Ele busca seu filho na escola também. Tal como meu pai deveria ter feito. Desprotegido e abandonado, essa era a sensação. Aguardei-o.

Aquele senhor retorna com seu filho e para minha surpresa meu pai também o acompanha. Percebi que meu pai estava me procurando na escola. Eles devem ter se encontrado e conversado. Acompanhei meu pai até o carro dele. Meu tio também estava lá. O clima não estava dos melhores. Percebi pelas caras bravas. Fomos, enfim, para casa.

Relatar uma história do passado pode ser interessante. Tratar o fato e entendê-lo é melhor. É libertar-se. O medo do abandono na escola foi algo que persistiu durante muito tempo. Dissipou-se com o crescimento e a autonomia. Talvez o medo tenha se extinto ou se transformado, em insegurança, por exemplo. Com a maturidade conseguimos resolver certas questões, mas sempre outras novas surgirão.

Não me lembro de como foi a recepção em casa ao ver minha mãe. Com flashs desse desfecho, parece que consigo ver meu pai fazendo o relatório do ocorrido à ela, que certamente, já devia saber do meu medo...